domingo, 3 de novembro de 2013

A estranha

Estranhei meu reflexo no vidro do ônibus. Quase narciso, mas às avessas. Era assim que sentia aquele dia, do avesso. Acordada, parecia sonhando. Insone, nenhum descanso desde a noite anterior, só fragmentos tensos de uma vida sem pausa. E foi na pausa, na viagem, entre o fazer e o não pensar, que me vi. Uma estranha calada encarou-me naquele reflexo. Um esboço rasurado de alguém que já fui, alguém que preferia não ser. Alguém entre, no entremeio de duas vidas, uma aborrecida, outra indesejável.  Um vazio esperava-me na descida, na próxima parada. E assim permaneci: calada, imóvel. Uma estranha à espera.

A fé está nas calças


Acordo, lavo o rosto, cabelos escapam à ditadura do pente, pasta de dente, bolsa, calçada, sento na cadeira do consultório. Um frio percorre minhas entranhas, a barriga dói. Ansiedade? Não, é o botão da calça apertando o excesso do domingo. Arre! Corro até a balança, espera, deixa eu tirar o jaleco, o sapato, faltou alguma coisa? Sim, a insatisfação aumentou um quilo...