Que sei eu de bigodes
Memórias de pelos, alinhados sob o nariz
Lembro do Dali, do Hittler e até do meu pai
Nada entre eles, nenhum outro ponto em comum
Sempre achei adorno de taxista, caminhoneiro, bicheiro
Preconceito, eu sei
Lembranças esquisitas, nunca gostei
Ou imaginei que me apaixonaria por um
Meio loiro, meio ruivo, com cheiro de tabaco
Escrevo isso rindo, parece um disparate
Parece não, é
E meu coração dispara, sinto-me quente, olhos úmidos
Emocionados de alegria
Tenho vivido dias assim, deslumbrada, sonhadora, imaginativa
E por isso, me autorizo essas palavras
Achei que iam rimar, me sinto poetisa
Me sinto
E sinto em mim a textura, a aspereza daqueles pelos tão masculinos
Que despertam em mim esse feminino, novo, inebriado e desejante
Um bigode e sou mulher
Quem diria.
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
quinta-feira, 16 de janeiro de 2020
Codinome alemão
Wa...
- O que foi que você disse?
- Sussurei Wa.
- Ah... Não sei se entendi. Tá me chamando ou me mandando ir embora? – ele riu nervoso.
- As duas coisas. Te chamo quando está indo e me despeço quando te vejo vindo. – o tom de voz dela era normal agora, quase alto.
- Por que diz essas coisas? Por que faz assim?
- Faço. Não sei porque. Sou assim, faço sem saber, Wa.
Um homem com libido nos pés e sua cabeça evanescente
Um estranhamento era o que sentia. Com vontade, tentava manipular o contorno daquilo que queria não fosse amorfo, mas era exatamente o que era. Uma carne mole que escorregava entre os dedos, a negação da materialidade, da concretude que os olhos capturavam e insistiam dizer que era verdade. Não o era. A cada aperto, mordida, algo escapava. Ela gemeu alto e silenciou. Parecia ter gozado. Ele respirou aliviado. Levantou-se, deu-lhe um beijo na testa e disse sem certeza: “gosto disso”.
No banheiro, lavou as mãos, o rosto, algumas gotas macularam a camiseta. Olhou-se no espelho e viu a cabeça. Sentiu novamente o estranhamento. Aceitou a refeição que ela tinha preparado, por que ela falava tanto? Parecia satisfeita com sua própria voz. Sorriu gentilmente, olhou as unhas da mão. Precisava cortá-las. Ouviu-a dizer: “Preciso ir. Quer carona?” Não, ele não queria. Beijaram-se. No toque dos lábios buscou sentido, não sabia se havia. Ela disse bruscamente: “Talvez não te encontre mais, mas também não sei se isso te afeta”. Os olhos dela eram impacientes. Ele sentiu algo no peito, parecia raiva, resignou-se a dizer: “calma, nos veremos.” Fechou a porta pesada atrás de si e olhou o asfalto. A rua ia numa subida, a descida não era visível. Desejou ser a rua.
Dentro do carro, teve a certeza da necessidade de vendê-lo: “o que eu quero com isso?” Sentiu os pés formigarem dentro dos tênis. Estacionou o carro na frente da casa, acionou o alarme. A sua cadela não estava lá e sentiu saudade dela. Pensou na ex, pensou em não pensar na ex, pensou porque estava pensando na ex. “Pra que serve essa cabeça?” e coçou os cabelos ralos. Decidiu que já tinha passado da hora de raspá-los.
A casa estava vazia, ainda que cheia de móveis. Todos velhos, antiquados, lhe provocavam certo nojo. Sabia que o fim estava próximo. Amanhã ainda, iria entregar as chaves para o dono da casa e partiria para a casa do pai. Compreensão não havia lá, mas havia conforto e, por ora, era o que bastava.
Já passava da hora do almoço, quando chegou. O pai fumava um cigarro sentado numa cadeira de praia enferrujada. Quando o viu, escancarou os dentes. De longe via-se sua satisfação com a chegada do filho mais novo. Finalmente, ele estava de volta. O pai olhou-lhe nos olhos e perguntou: “quer um?” apontando para o cigarro. Ele fez que não com a cabeça.
Conversaram por mais de uma hora. O pai falou a maior parte do tempo, fez referências ao passado, conjecturas sobre o futuro, sobre o que seria do futuro, deles. Ele escutou, sabia escutar com paciência. A cabeça lhe pesava, mas os ouvidos, quando presentes, sempre funcionaram bem. Tentou articular algo de singular, expor um pouco da sua opinião, mas a capacidade de escuta não era uma herança paterna. Pensou na mãe sozinha e com dor. Disse ao pai: “Vou lá na mãe, logo mais tô de volta”. O pai assentiu com ar sério e deu uma baforada olhando para a rua.
A mãe, sentadinha no sofá, olhava um filme na tevê. Seu sorriso manso e amoroso sempre lhe aquecia o coração, mas a culpa não o deixava sentir o calor por mais do que alguns segundos. Com os olhinhos marejados, a mãe disse: “Que bom que tu veio, meu filho.” Ele sentou agarradinho com ela e sentiu o corpo protegido. A cabeça esvaneceu-se.
Fim do segundo ato
sexta-feira, 3 de janeiro de 2020
Estrela pequenina
Sol solitário.
Alguém já deve ter brincado disso, no
passado, no presente, em algum lugar, não há nada de novo em jogar com as
letras e concluir o óbvio, o comumente partilhado.
Que de único tem um sol que
evoca solidão? Sol, clave, estrela, luz absoluta e finda.
Outro sol haverá?
Reconhece em sua trajetória algum par?
Do astro real não há medida de
comparação, métrica compatível com a pequenez de nossa existência. Uma solidão
toda, completa, magna.
Da minha solitude, gaguejo algumas palavras na tentativa
de apreender tamanha vastidão.
Não é possível, no entanto, a ele acompanhar.
Sigo,
aqui, longe, fria, estrela menor.
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