domingo, 12 de maio de 2013

Conto erótico



Pálpebras apertadas, com força. O cenho contraído sinaliza, para um possível expectador, um misto de dor e êxtase. Assim permanece por tempo excessivamente longo, dada a ocasião. Nem o vento que acaricia sua face e cabelos, nenhum outro som externo, nenhum dos inúmeros aromas que assaltam suas narinas, nem mesmo a rudeza do couro da poltrona que atrita contra sua pele, nada obnubila a onda de prazer que insiste percorrer cada centímetro do seu corpo. Festa de átomos, moléculas, células, tecidos e órgãos. Um corpo todo à mercê. Toda fluida, etérea sensação em crescente tremor. Cada pêlo, a pele inteira, vibrantes intensidades de um tesão escandalosamente inebriante. Os lábios, a língua e a saliva compõem seu silencioso arranjo particular. Evita emitir sons. Nada pode atrapalhar, desviar a atenção, impedir que o endereçamento da voz dele ganhe seus tímpanos. São os dela, os tímpanos dela, origem de tamanha orgia sensorial. A voz dele, fonte de estímulo infindável. Um peito transbordante que convoca cada fibra cardíaca a contrações exageradas. Um acelerado desejo que se aproxima do ápice. Em borbulhante efusão de sons, misturam-se os que agora escapam dela aos dele. A multidão que os cerca de nada desconfia, ela acredita. Mal sabe ela que vivem experiência semelhante. A voz dele cessa. Mais alguns acordes e fim. As palmas decretam a interrupção do gozo. Os olhos dela lentamente se abrem. Ali ele está, no palco à sua frente, segurando o violão com um sorriso satisfeito. Ela imita os demais. Bate palmas em agradecimento à beleza da canção executada. Em agradecimento à sinceridade da experiência proporcionada. Pela primeira vez, em muito tempo, sente-se feliz.

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