Escrita-redenção

Escrever. Para quê? Escrever, ainda que no indicativo, é imperativo. A escrita não convida, não se utiliza de gentilezas, não é obsequiosa. A escrita é uma fera raivosa. E exigente. Exige afoitamente uma folha, uma tela, um espaço em branco para corrompê-lo com palavras, ideias, sentimentos transcritos. Intensa, indelicada, mas sempre generosa. A escrita permite existências. Possibilita devaneios. Concretiza abstrações. A escrita emancipa espíritos subjugados e expõe recônditos segredos. Escutei, certa vez, que a escrita já salvou muita gente. Tenho certeza disso. Grandes gênios foram salvos da solidão de suas descobertas pela cumplicidade de suas penas, canetas, papéis, máquinas de escrever e computadores. Loucos, presidiários, reclusos de toda ordem experimentaram a liberdade proporcionada pela escrita. Escritores mais ou menos talentosos, geniais ou reles mortais, salvaram a humanidade da ignorância, da escassez de sentido, da infertilidade de uma vida sem reflexão. A escrita também os salvou de uma existência infeliz em que suas ideias morreriam com seus corpos. A escrita-redenção fez-nos saber da teoria da relatividade de Einstein, dos mistérios do mundo inconsciente teorizadas por Freud, das possibilidades revolucionárias do Instituinte de Deleuze e Guattari. Fomos presenteados com a beleza da dor versada por Pessoa e aprendemos com a sede de viver uma vida verdadeira de Nietzsche. A escrita promove encontros transgeracionais, seja na construção de conceitos ou ideais, seja no amparo ao sofrimento humano. Quando leio Baudelaire sei que não estou sozinha. Aos grandes escritores, aos outros escritores, a todos aqueles que apostam na escrita e aos que ainda não compreenderam seu poder restaurador e criador, é que dedico este texto. Percebo limitações no que escrevo, e aposto na existência de tantas outras que não percebo. Sei, no entanto, que a escrita é suficientemente compreensiva para aceitar-me como sou: inacabada.